“Escola sem partido” propõe retrocesso sem precedente ao ensino no Brasil

escolasempartidoEntre as tantas ameaças aos direitos sociais que tramitam no Congresso Nacional, está o Projeto de Lei 867/2015, que propõe a inclusão, nas diretrizes e bases da Educação brasileira, do programa “Escola Sem Partido”. O programa prevê, entre outras medidas que cerceiam a liberdade dos professores, vedar, em sala de aula, “a prática de doutrinação política e ideológica bem como a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”.

A proposta tem conseguido avançar em nível municipal e estadual, com algumas Assembleias Legislativas aprovando medidas de teor semelhante, como ocorreu, no final de abril, em Alagoas, com a aprovação do projeto de lei Escola Livre. Representantes do movimento docente, estudantil e até mesmo o governo do estado recorreram à justiça para anular a legislação estadual.

Durante o 35º Congresso do ANDES-SN, realizado em janeiro, em Curitiba (PR), os docentes aprovaram lutar contra a aprovação do PL 867/2015 (Programa Escola sem Partido) e demais projetos de lei a ele apensados, bem como os projetos de leis similares nos estados e municípios.

Produzir materiais que denunciem os efeitos nocivos do Programa Escola sem Partido para a liberdade de expressão e manifestação e ainda articular ações com outras entidades sindicais, estudantis e cientificas para barrar a aprovação do PL 867/2015.
Em entrevista ao Portal da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), o professor Fernando de Araújo Penna, da Universidade Federal Fluminense (UFF), aborda o panorama de informações falsas, distorções e arbitrariedades em tramitações de projetos que cercam o tema. O depoimento integra a série “Conquistas em Risco”, realizada pelo Portal da Anped.

Portal Anped: Num contexto de conquistas em risco (seja por cortes em investimentos e programas, seja por ofensivas conservadoras no Congresso e sociedade, investidas de empresários e fundações), como analisar a proposição de uma “Escola sem Partido”? De onde surge isso e qual seu impacto nas discussões sobre a escola pública?

Fernando Penna: A proposição de uma “escola sem partido” não é nova. O movimento com este nome foi criado em 2004, mas ganha força justamente neste contexto das ofensivas conservadoras. O primeiro projeto de lei, que propunha a criação do “programa Escola sem Partido” em uma rede de ensino, foi fruto de uma parceria entre o criador do movimento, Miguel Nagib, e o deputado estadual Flávio Bolsonaro. Este projeto de lei se beneficia da falsa dicotomia imposta pelo próprio nome do movimento, entre uma escola com ou sem partido. É importante reafirmar que o que está em jogo quando falamos do “programa Escola sem Partido” é um projeto de escola na qual esta é destituída de todo o seu caráter educacional, pois, segundo o movimento em questão, professor não é educador. Dentro deste contexto de conquistas em risco, o movimento Escola sem Partido incorporou outras pautas conservadoras que inicialmente não faziam parte das suas bandeiras. Foi o caso do combate covarde contra a discussão de questão de gênero nas escolas. O termo “ideologia de gênero” vem sendo usado como uma forma política de manipulação do medo com base em informações falsas e distorções grotescas das práticas que acontecem nas escolas. O caso do estado de Alagoas pode ser ilustrativo deste processo. Lá, como em outros estados e municípios do Brasil, os debates sobre os planos de educação ganharam grande publicidade, mas, neste estado, a polêmica foi intensa por conta de um material falso intencionalmente divulgado como sendo de autoria do MEC, que continha imagens sugestivas e estímulo a práticas sexuais. O Ministério Público investiga o caso, mas o estrago já havia sido feito na opinião pública e diferentes grupos pressionaram pela remoção do termo “gênero” dos planos estaduais e municipais de educação. Foi convocada uma audiência pública para discutir o tema em Alagoas e o debatedor convidado foi justamente o advogado Miguel Nagib, que aproveitou a visita ao estado para persuadir um deputado a apresentar o projeto de lei “escola sem partido”, que lá recebeu o nome ainda mais enganador de “Escola Livre”. No final das contas, tanto a retirada do termo “gênero” do plano estadual de educação quanto o projeto de lei “escola sem partido” foram aprovados naquele estado. Esta proliferação de projetos que propõem o “programa escola sem partido” não surpreende, porque, no contexto de ofensiva conservadora, basta aos vereadores e deputados entrarem no site da organização onde existem dois anteprojetos de lei municipal e estadual. Existe um projeto tramitando em âmbito nacional e outros nove em diferentes estados e no Distrito Federal, além de inúmeros municípios. O projeto já foi aprovado no estado de Alagoas (o governador vetou o projeto e seu veto vem sendo discutido na Assembleia Legislativa) e nos municípios de Picuí (PB), Santa Cruz do Monte Castelo (SC) e Campo Grande (MS).

Qual o impacto da aprovação desses projetos?
FP: Os projetos se propõem a combater a “doutrinação ideológica”, mas nem sequer definem o que seria isso e apenas insiste na defesa da “neutralidade”. Mas quem define o que é “neutro” e o que é “ideológico”? Na ausência de uma definição no projeto de lei, vale a pena verificar o que diz o site da organização sobre o tema. Ao clicar no item “flagrando o doutrinador”, percebemos que o professor é representado como um criminoso dissimulado que corrompe os jovens inocentes e passivos. “Você pode estar sendo vítima de doutrinação ideológica quando seu professor se desvia frequentemente da matéria objeto da disciplina para assuntos relacionados ao noticiário político ou internacional”. Dissociações como estas, entre a matéria objeto da disciplina e o mundo fora da escola e entre educação e instrução, são uma ameaça a qualquer projeto de uma escola mais progressista. O PL 867/2015 propõe que seja vedada, em sala de aula, “a veiculação de conteúdos ou a realização de atividades que possam estar em conflito com as convicções religiosas ou morais dos pais ou responsáveis pelos estudantes”. Não precisamos, no entanto, esperar a aprovação dos projetos escola sem partido para pensar o impacto das propostas deste movimento. Ao se aproveitar da grande polarização que vivemos no cenário político nacional, a perseguição de professores que se manifestam politicamente não para de crescer. Começam a surgir vários relatos de professores que perderam os seus empregos por se posicionar sobre temas polêmicos nas redes sociais e, portanto, fora do ambiente escolar. O movimento Escola Sem Partido estimula este comportamento, ao representar os professores como corruptores da juventude e defender que os professores não têm liberdade de expressão no exercício da sua atividade profissional.

* Entrevista realizada por João Marcos Veiga – Portal Anped / Com edição do ANDES-SN

* Entrevista publicada no Informandes de maio de 2016

Formação de trabalhadores da educação, Gênero, Sexualidade, Orientação Sexual e Questões Étnico-Raciais, Gestão/Organização do Trabalho Escolar, Outras postagens

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